A capoeira no gunga dando o ritmo e caminhos para deslocamentos
Entre giras travessias e deslocamentos, os saberes e experiências ativados nos encontros regulares no programa de pós graduação da faculdade de educação da Unicamp tem sido afortunado de partilhas e conhecimentos. Sob a orientação e provocação da capoeirista e professora Norma Trindade de Lima, a proposta acadêmica ultrapassa a institucionalidade e risca os cruzos a partir de leituras que se alia à pluralidade e patrimônios imateriais dos participantes. O que no limite nos permite afirmar se tratar de uma atitude coletiva da decolonialidade, que vem de fora e ao encontro da academia. Esse ritmo de sincope é tocado no gunga, berimbau mestre que dá ritmo ao jogo e ao movimento. Essa didática é aplicada pela professora Norma já um bom tempo na Faculdade de Educação da Unicamp, na graduação e na pós-graduação, e se integra sim, a uma outra ação, a da utopia em movimento. Sua proposta de ensino sai das salas e corredores da universidade, e se integra aos mais diferentes terrenos e terreiros da comunidade.
Essa proposta educativa segue a linha de juntar o academicismo elementar da pesquisa às atitudes e estratégias transgressivas das comunidades afrocentradas. Criar e disseminar os saberes para além da economia da educação Sodré (2019) assentando-se nos caminhos de frestas caracterizam o propósito das giras e festas na universidade, e mobilizam táticas como a pretensão dessas Crônicas Descoloniais, efeito dessa travessia e deslocamentos em giras iniciado em 2019 na condição de aluno especial.
A professora Norma, seus orientandos em comunhão com uma pluralidade de outros alunos vem terreirizando o ambiente formal-acadêmico da Unicamp. Essa ocupação avança na medida da interação entre as experiências, sempre corroboradas com excelentes leituras; Haddock Lobo, Leda Martins, Mariana Semião, Viviane Mendonça, Fanon, Simas, Rufino, Dulce Ferreira, Luciana Ballestrin, e a própria professora Norma dentre muitas outras letras descoloniais. As manifestações representadas por candomblés, capoeiras, sambas entre outros saberes são afetivos e transformadores. Difícil algum participante não ser afetado, tanto para os já iniciados como quem pela primeira vez se despertam para a alegria do descolonizar-se em rodas. Cada pessoa é uma experiência descolonial.
Desenvolver a potência político-estética do corpo e produzir novos sentidos para si só é possível a partir da disposição do movimentar-se, de um ponto a outro, de um riscado a outro. Pode-se dizer que essa movimentação é um contraponto ao tipo de energia exigido na linearidade cartesiana da prática educativa eurocêntrica, que resiste reconhecer a potência das giras exuziacas como outra possibilidade de saber. A oralidade é parte constitutiva desse movimento contra-linear porque pede a benção como gesto de respeito e de reconhecimento ancestral.
A oralidade da qual dispõe a professora Norma navega pelos saberes formais e informais, clássico e popular que se conversam quando ativado na perspectiva do descolonial-inclusivo. Norma orienta pesquisas em punho de um Gunga direcionando o jogo e abrindo a roda como se abre caminhos como faz Doné, olhando distante no horizonte, como quem já conhece as travessias. Seja no gunga ou nos búzios, a experiência se sobressai. A oralidade é um oficio reservado a quem por um longo período de tempo e práticas construiu um patrimônio cultural, que a autoriza a partilhar e ensinar batuques dos mais variados gêneros.
Educação em giras, festas, memórias e narrativas se consagrou como um evento macumbístico memorável e formativo, como são as festas populares.
Professora Norma na companhia das professoras Mariana, Dulce e Viviane promoveram um verdadeiro Ebó àqueles que se atreveram experenciar gingas e danças nesse processo de ocupação epistêmica. Ao trazer para o centro da roda, suas as aulas, as professoras ativaram o que Sodré (2010) chama de energia vital. O transe dos batuques na perspectiva das falas e das leituras, que revolucionam a forma de nos enxergarmos no tempo e no espaço.
Cada evento é um deslocamento, e cada aula um movimento descolonial, uma inserção inclusiva na perspectiva de novos saberes e sentidos. Cada evento é uma travessia por entre as possibilidades das encruzas. Esses deslocamentos quando operados no campo da consciência transforma a existência do corpo no espaço, tem-se aí a posse do que acredito se tratar da tal Utopia Cncreta, aguardada por muitos intelectuais como uma espécie de salvação e materialidade do pensamento revolucionário.
Nesse sentido reforço o manifesto do rum e do gunga, como os sinais tocados para a mudança dos paradigmas. A cada toque puxado, uma nova imersão, um deslocamento no plano material e imaterial. Que gungas e rums se disseminem por entre as ocupações terreirazadas nas universidades e nos espaços das elaborações.
Nós aqui, seguiremos nas giras descolonizando a existência e batucando a alegria da vida. Saravá seu Gungá, saravá a professora Norma, saravás as professoras. Axé.