Capoeira e Educação, prática descolonial e antirracista

0
1

A Capoeira é uma prática e um saber descolonial, que desconstrói sistemas normativos e impositivos. É operada no campo da criatividade, da musicalidade e da ginga, através do corpo. Por essa razão seu saber foi reprimido e perseguido por séculos. É antirracista porque a capoeira é um saber que opera no campo da educação e da formação do indivíduo na coletividade. É educação porque seus fundamentos e preceitos são socializados na dimensão comunitária e de transformação. Por esses motivos e muitos outros a capoeira é uma prática descolonial e antirracista.

A capoeira é uma manifestação afro-brasileira tradicional que (re) existe no Brasil desde o fim do período colonial. Seu surgimento é fruto de um processo diaspórico violento de escravização de corpos negros que se encontram e se cruzam no solo ensolarado e pindorâmico, a exemplo de onde foram sequestrados. O resultado desse encontro é o que se denominou chamar de cruzo.

Entende-se por cruzo o encontro na encruzilhada de saberes, de experiências e existências num processo permanente de partilha decorrente da disposição libertária de promover caminhos outros distintos daqueles demarcados pela normatividade. (Medina Neto, 2024, p.26)

Normatividade aqui compreendida como um conjunto de valores, normas e instrumentos objetivos e subjetivos cujo objetivo é o exercício de controle e coerção daquele corpo diferente e estrando ao padrão. Para simplificar trata-se do sistema moderno, de ordem capitalista, racista e colonial. É dessa lógica opressiva que surge entre centenas de manifestações afro, a capoeira.

O processo diaspórico violento e compulsório que promoveu a escravização dos negros no Brasil-Pindorâmico promoveu ao mesmo tempo um paradoxo que demonstraria a enorme contradição do sistema considerado racional e moderno. Essa contradição compreendida aqui como possibilidade, encruzilhada, fresta e oportunidade de se construir outros sentidos para a (re) existência dos negros escravizados.

Essa compreensão verdadeiramente iluminada resultou na capoeira, no jongo, no candomblé, no samba e em muitas outras centenas de batuque. Esse encontro de culturas, costumes e saberes oriundo do continente nominado pelos colonizadores como África resultou também a criação e utilização de conceitos como hibridização elaborado e debatido por Hall (2003) cuja uma das formulações desmonta o mito da origem e da pureza de práticas como a capoeira por exemplo.

Esse processo hibrido e rico, do qual decorre o surgimento da configuração do podemos chamar da primeira capoeira é uma resultante do cruzo, do encontro e experiências de várias práticas que anteriormente estavam espalhadas de forma autônoma pelo continente de África.

Difundida e praticada em mais de 170 países, registrada como Patrimônio Cultural do Brasil em 2008 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2014.  A capoeira é um saber que contribui significativamente e potencialmente para a formação e educação antirracista. Compreender e entender a capoeira como uma estratégia educativa é reconhecer o seu potencial transformador e que responde em grande medida a aplicação das leis 10.639/03 que prevê o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, e da lei 12.288/10 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial.

O ensino da capoeira se caracteriza por ser uma expressão e a materialização da diversidade e pluralidade cultural. Por isso seu reconhecimento e registro como patrimônio dentro e fora do Brasil. Desse modo, o cotidiano da prática e transmissão da capoeira se constitui em um enfrentamento contra qualquer tipo de discriminação e preconceito, até mesmo de sua própria contradição, uma vez que a capoeira e os capoeiristas estão imersos e submetidos à lógica do capitalismo e da modernidade colonial responsável direto pelo seu surgimento séculos atrás. A prática da capoeira é uma prática antirracista.


REFERÊNCIAS

HALL, Stuart. Da diáspora. Identidades e mediações culturais. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2003.

MEDINA NETO. Luciano. Cultura de Fresta. A capoeira como expressão do batuque na cidade de Campinas sob a perspectiva decolonial. 2024. [s.n.] Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2024.

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here