O caipira é antes de tudo um capoeira. O afrocaipira é o símbolo máximo dum movimento, os das águas. Água que convida os pretos a se reunirem ao redor da caipiragem em Mogi Guaçu, interior paulista. Eis o resultado da conversa caipira entre dois pretos do interior. Um de Hortolândia e o outro de Mogi Guaçu
Preto poeta, acadêmico e agitador cultural Carlos Alberto Pinheiro é o típico afrocaipira. Muito embora essa conceituação ainda não tenha conquistado a simpatia institucional, ele segue desbravando e juntando gente por meio da internet nesse momento de Pandemia. Pois bem, Carlos, entusiasta do conceito, nasceu na roça, colheu algodão e capinou arroz e feijão. Mesmo na labuta no campo seus pais faziam questão que os filhos fossem para a escola. Pinheiro graduou-se em Administração Pública pela Unesp em Araraquara, e conclui mestrado em Geografia Humana pela USP.
O movimento AFROCAIPIRA, capitaneado por Pinheiro está intimamente ligado ao Rio Mogi Guaçu, e com o desenvolvimento propiciado por sua existência.
A inspiração e a ideia da criação do movimento vêm da força vital contida e extraída do Rio Mogi Guaçu, também conhecido como o Rio das Almas Pretas. O movimento é uma articulação de pretos e caipiras descendentes de quilombolas, que tem origem na bacia desse grande rio, que serpenteia sua calda por mais de 14.463 quilômetros quadrados.
De acordo com Carlos Pinheiro, o objetivo do movimento é conectar os pretos, afim de discutir as questões afrocaipiras, como o racismo, a identidade, as lutas políticas a partir e sob a perspectiva histórica e ambiental do Rio. “Não somos pretos paulistanos, não somos pretos baianos, não somos pretos cariocas” Somos pretos e caipiras com um forte traço identitário, que tem na pronuncia do “R”” uma peculiaridade perceptível por um visitante da metropole, mas que também guarda a história das lutas por direitos.
A Afrocaipiragem de que fala Pinheiro tem origem distante e está associada à sua própria vida. Diz respeito a sua experiência com as águas do Rio Mogi Guaçu. Desde criança tinha pavor de caminhar próximo ao rio. Ele tinha a sensação de que alguma força o puxava para dentro do rio. Desde a infância ele sonhava com as águas. No sonho essa mesma força o tinha em companhia.
Seria a Oxum, dona das águas a comunicar-se? Talvez, foi a partir desse chamado que Pinheiro mobilizou-se para encarar a questão. A nomenclatura do movimento ganhou a definição após uma vivência de Pinheiro no Revelando São Paulo, ocasião em que morava na capital em função dos estudos decorrentes do mestrado na USP. Ouviu o termo AfroCaipira no festival, e de volta a Mogi delimitou o território da proposta de construção do movimento. A partir dali afirma que os livros foram surgindo à sua frente, e dentre as inúmeras obras um que marcou profundamente seu entendimento acerca da relevância do Mogi Guaçu e na sequência, a caipiragem.
Os Parceiros do Rio Bonito, livro do sociólogo, crítico literário e professor da USP Antonio Candido contribui para o alargamento e compreensão do que é ser caipira.
Esse estudo é importante pois fortaleceria mais tarde todo o processo de articulação do movimento Afrocaipira que ocorre muito recentemente sob a nuvem da pandemia, e com os recursos disponíveis da internet. A movimentação clássica com a aglomeração e troca de calor humano, ainda não aconteceu.
Como já se sabe, o negro escravizado no Brasil se reinventa e cria novas formas de existir, de acontecer. A exemplo de tantos outros, embora o termo AfroCaipira caracterize um movimento num determinado tempo e espaço, a que se notar que os costumes e hábitos oriundos do preto do interior paulista é antigo, e tem seus fundamentos no processo escravocrata que durou 400 anos, e como se sabe ainda flerta com seus efeitos.
Marques de Pombal, muito embora nunca tenha sequer pisado em terras brasileiras, tomou medidas que impactaram decisivamente na construção da identidade do povo que habitou as ribanceiras do rio grande. A vinda dos negros para o interior paulista faz surgir o preto caipira, conforme curso do processo de reinvenção, resistência e (re) existência do negro no Brasil, após o doloroso processo diaspórico.
A cultura indígena e bandeirante se soma à memória afetiva do negro.Pinheiro diz que a bacia do rio Mogi Guaçu abrigou um quilombo. Segundo relatos citados e obtidos através de teses encaminhados a ele, os negros do quilombo roubavam canoas para embrenhar-se sob as águas em buscas de subsistência. Por esse motivo as forças públicas foram mobilizadas para o interior da bacia com o objetivo de pôr fim aos furtos de canoas e dizimar o quilombo. O Rio Mogi Guaçu chegou a ser chamado de Rio das Almas Pretas por causa dos conflitos com os quilombolas
“Eu sou um Preto que não estudei coisas de Pretos, segundo alguns preconceituosos intolerantes”
A ocupação intelectual de Pinheiro durante sua atuação na academia foi a questão hídrica, somente depois é que foi despertado para consciência da luta racial, a partir da noção da ocupação territorial e geográfica descoberta na bacia do Mogi Guaçu.
Como afirma esse caipira, preto e descendente de quilombola assentado na bacia do rio grande que serpenteia e rasga a mata de Minas à São Paulo, a tarefa é instigar a consciência caipira do preto; através de um componente singular, a Brasilidade.
Carlo Pinheiro promove mensalmente o encontro Afrocaipira-História e Saberes que tem entre outras finalidades expor a arte, a cultura e a memória do Preto Caipira do interior paulista.
Para acessar a movimentação AfroCaipira nas redes sociais, acesse o perfil de Carlo Pinheiro no link https://www.facebook.com/calberpin
Saravá a todo preto caipira assentado no interior paulista.