Se tem um ofício que te propõe viver com autonomia e liberdade de fala e de ação, essa atividade é a da capoeira. A capoeira proporciona aos seus filhos essa escolha, de ser quem você é.
Como já se sabe, a capoeira é uma manifestação cultural genuinamente brasileira, fruto de influencias de negros escravizados de várias regiões do continente africano, e que se reinventaram na colônia como forma de resgatar ou rememorar a vida depois do desterro.
A criação e o surgimento da capoeira é ainda um tabu para muitos pesquisadores e praticantes. Alguns defendem a tese de que foi originária das matas do interior baiano mais especificamente Santo Amaro da Purificação, o que a caracterizaria como um fenômeno rural. A documentação que sustenta esse argumento é precária.
A outra tese é de que a capoeira é um fenômeno urbano. Ela reaparece segundo os documentos, nas zonas portuárias de capitais como Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Existem relatos sem uma comprovação mais aguda, que ressurgem também em São Luis do Maranhão e Manaus. A documentação que sustenta esses argumentos são mais extensas. Independente desse juízo, essa questão enseja um artigo mais elaborado, e que merece uma consideração mais detida, evidente.
Mas a idéia da crônica é caracterizar uma das facetas mais transformadoras da capoeira, os corpos dos capoeiras na roda e fora dela. Entregar-se a vadiação da capoeiragem e praticá-la religiosamente enquanto filosofia e meio e vida, não é tarefa fácil. Preservá-la e valorizá-la não é para muitos. Viver de cultura e arte no Brasil é quase uma utopia.
Ao escolher os fundamentos da capoeiragem para viver a dureza que é a vida, o capoeirante opta por um conjunto de valores e signos potentes, produtores de conhecimentos cuja consequência, entre outras tantas é a discriminação, o preconceito e a incompreensão.
Capoeirar é viver na contramão de um sistema que tem como prerrogativa a exploração e a domesticação dos corpos de que fala o nosso profeta das ruas Luiz Antonio Simas. Ensinar a capoeira, seus ritos e fundamentos; cantigas, chulas e ladainhas. Golpes, rasteiras e cabeçadas; manhas e mandingas, é, por definição produzir e transmitir conhecimento. A criatividade é algo que se extrai dum corpo na capoeira. Praticar capoeira vai além da manutenção de uma expressão, praticá-la é produzir informação é comunicar.
Para não esquecermos, essa produção só é possível porque o corpo do capoeira transgride a normatização das ruas de agora, ladeada de sombras e muros. Ainda sim, ele dá um salto mortal, sai de banda, dá uma rasteira na adversidade e vai celebrar a vida no botequim a tomar uma cerva gelada.
A capoeira é um mundo a ser explorado. Capoeirar nada mais é do que viver na plenitude da alegria, proporcionada potencialmente pelo corpo; na roda na rua, onde quer que ele ande ou dance.
Saravá a capoeiragem