Na capoeiragem do papo com a atriz e jornalista Kátia Fonseca

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Kátia Fonseca avança encruzilhada adentro para movimentar-se, como ela diz, e mergulhar na superfície de possibilidades que seu corpo político proporciona. Jornalista e atriz, é conhecida em Campinas através das assinaturas nos cadernos no Jornal Correio Popular, e no Brasil, por meio de intervenções nos espaços de debate em defesa dos direitos humanos. 

Em 2010 no Encontro da Diversidade – Independência da Cultura, 1ª reunião da Diversidade Cultural (Mercosul Cultural) próximos aos Arcos da Lapa na cidade do Rio de Janeiro, numa das salas da Fundição Progresso sentei à roda para ouvir sobre as lutas e tarefas de Kátia Fonseca.

Ela coleciona um repertório cultural que a exemplo de uma mestra da capoeiragem instiga um papo. Provoca e inquieta um discípulo ávido por conhecimento. Como capoeira na gira, ela se movimenta com frequência; se reinventa e resiste sob pena de não ser pega de surpresa, ainda que os desafios à sua frente sempre foram constantes. Recentemente o Coroanavírus a convidou para uma peleja. Advinha quem ganhou a demanda?

Viver à margem da zona de conforto e do convencionalismo é que marca a (re) existência da sua vida. Ser atriz por exemplo é uma dessas marcas, o que significa permanecer em constante ato de subversão e rebeldia, como na capoeira.

Um aprendizado ouvi-la no Rio em 2010; um aprendizado lê-la nesse jogo. Grato a Kátia Fonseca por permitir essa vadiação.

 

Kátia Fonseca em cena. Foto perfil rede social

Onde nasceu a Capoeira Kátia Fonseca. Conte um pouco da sua origem e trajetória. Além de capoeira e jornalista, você também é atriz? Nasci em Santos, litoral paulista, e moro em Campinas desde 1991, já tendo fixado residência em Registro, no Vale do Ribeira, e na Capital de SP. Tenho 64 anos e o humor e a coragem me trouxeram até o patamar em que estou. Minhas conquistas dependeram exclusivamente da minha força de vontade e crença de que venceria os obstáculos, que foram inúmeros.

Sou jornalista – me formei em 1983.Sou atriz, tendo participado de grupos de teatro amador em Santos, durante a adolescência, e depois trabalhei com Antunes Filhos em seu Centro de Pesquisa Teatral (CPT), em São Paulo, e atuei em diversas peças em Campinas. Escrevi, concebi e atuei no espetáculo ‘Lautrec’, em 2005, sobre a vida e a obra do pintor francês Toulouse-Lautec, um revolucionário das artes-plásticas, em fins do século 19 e início do século 20.


E, sou, acima de tudo, ativista da defesa dos Direitos Humanos.


Todo jogador, quer de capoeira ou não. Jogador de carteado, de bolinha de gude, jogador de samba ou de ponto. Ou mesmo um gingador na rua, é por talento moral um provocador. O que você provoca e o que provoca você? O que eu provoco e o que me provoca são exatamente as mesmas coisas: o inusitado, o diferente, o desconhecido, a aventura, o estar em movimento todo tempo. Em suma: sair da zona de conforto.

 Como você definiria a pratica jornalística, é um jogo, uma luta, o quê? É tudo isso e um pouco mais. Qualquer relação interpessoal é um jogo, seja de interesse, seja de amor, seja de ódio. O jornalismo se baseia, intrinsicamente, no jogo de perguntas e respostas. É também uma luta, entre aquilo que se quer saber, descobrir (por parte do jornalista) e aquilo que se quer revelar ou esconder. Muitas vezes, a fonte – o entrevistado – quer revelar algo que não interessa ao público, só a ele mesmo; ou quer esconder… neste momento, trava-se a luta entre entrevistador e entrevistado. E o jornalismo contempla, ainda, uma terceira “pessoa” neste jogo e nesta luta, que é o público, o leitor, o ouvinte. Então, é preciso analisar não apenas os dois lados da notícia, mas os três lados: de quem pergunta, de quem responde e de quem vai ler/ouvir/ver.

Jornalista é um modo de ser e estar, ou é uma atividade profissional como qualquer outra? Acredito que qualquer profissão pode ser um modo de ser e estar ou, simplesmente, uma atividade profissional. Então, não posso falar pelo Jornalismo como um todo, como algo abstrato… posso falar por mim, pela minha prática jornalística: sim, é uma forma de ser e estar neste mundo.

Frantz Fanon o intelectual revolucionário da Martinica em uma de suas reflexões disse que o corpo, sobretudo o corpo do negro é um corpo político; é um território político. Logo um território de conflito e de disputa. Como a jornalista, intelectual e capoeira Kátia Fonseca diria a respeito da potência do seu corpo, e dos enfrentamentos que faz ? Minha história é sobre os desafios que enfrentei – antes mesmo de nascer– e por toda a minha vida, pelo fato de ter uma grave deficiência física, a Displasia Diastrófica. É uma deformidade óssea que tem como consequência o atrofiamento dos membros superiores e inferiores, além de outras sequelas, tais como fissura palatal, ossos da bacia desajustados e problemas no canal auditivo. Parei de crescer quando tinha cinco ou seis anos, ficando com 1,09 metro. Essa deficiência é conhecida como nanismo.


Sendo assim, a potência do meu corpo me define e define todas as atividades nas quais me envolvo, para o bem ou para o mal. Felizmente, muito mais para o bem do que para o mal.


Recentemente você passou por um momento delicado. Ficou internada com Covid-19. Esse foi o pior momento da sua vida? Pelo exposto acime já dá pra entender que este não foi o pior momento da minha vida. Passei por vários e piores perrengues desde o momento em que nasci. Mas, sem dúvida, foi um dos piores momentos. Foi assustador fazer parte da estatística de uma pandemia mortal. Pensava o tempo todo: “Será que saio desta?”.

Para finalizar, qual a sua idéia para adiar o fim do mundo? Título do livro do intelectual e líder indígena Ailton Krenak (Essa provocação vem sendo feita em rodas de conversas com integrantes do movimento cultural da Região Central do Estado de São Paulo como forma de criar estratégias de ação frente à estupidez). Quer saber? Não quero adiar, não. Estou farta de tanta imbecilidade. O ser humano tem que começar tudo de novo pra ver se, desse jeito, consegue fazer um mundo melhor para viver. Ando muito pessimista nestes tempos sombrios de pandemia. Não estou vendo saída. Espero estar enganada!

 

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