Um dos principais instrumentos de combate ao racismo é a diversidade.
O racismo é um mal que está no meio de nós e que não findará, porque suas bases estão fincadas num sistema global que exerce seu poder nas estruturas do estado e da sociedade de uma forma geral, por isso intelectuais como o Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania do Brasil Silvio Almeida, o professor da ECA-USP Dennis de Oliveira e Muniz Sodré professor emérito da UFRJ debruçam-se sobre o tema para nos ajudar a solidificar o entendimento do que é o racismo estrutural – estruturante, e sermos capazes de formular estratégias também estruturantes de combate a esse mal.
Um dos recursos empreendidos pela sociedade é a aplicação dos princípios residentes no pensamento sobre diversidade. Esse tema também desperta paixão e controversa em razão do conceito em si, alguns defendem a ideia de pluridiversidade ou pluriversalidade, isso porque a proposta de diversidade tem origem na mesma base sociológica que o racismo foi construído, e outras formulações teóricas que tem como objetivo o exercício do controle e sua gestão. Os princípios portanto, são contraditórios e não se conversam na realidade do dia a dia.
Para além da discussão teórica e cientifica, ainda que a ideia de diversidade gere desconforto para muitos, fiquemos com ela por conta da convencionalidade prática que a tornou usada e popularizada, sem no entanto, nos esquecermos da crítica existente e que é necessária. Dito isso a sugestão é usarmos uma das tantas tecnologias criadas pela humanidade, mais especificamente pelo povo negro para avançarmos na proposta do título dessa crônica. A tecnologia em questão é a capoeira.
Praticante que sou desde a adolescencia,a descoberta de se tratar de uma tecnologia elaborada, conceituada para esse fim é bem recente.
A capoeira foi registrada como Patrimonio Cultural Imaterial do Brasil pelo IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 2008, e reconhecida como Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO Órgão das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura em 2014.
A capoeira é uma prática cultural criada através de encontro de diversas culturas dos negros escravizados no território brasileiro no periodo colonial, e que se desenvolveu ao longo dos séculos. Se tornou uma prática tradicional e pedagógica implementada em instituições de ensino no Brasil e no exterior. Se transformou em arte marcial organizada por entidades esportivas a partir de 1930.
Praticada em mais de 160 países é a principal difusora da lingua portuguesa e da cultura brasileira em todo o mundo. Tem sido objeto de investigação por diversos campos do conhecimento cientifico em razão da sua multidisciplinaridade.
A prática cotidiana da capoeira se constituiu como principal ferramenta de combate ao preconceito racial e a integração de valores compreendidos e alinhados à idéia da diversidade. É também dispositivo terapeutico de combate a depressão contribuindo para o fortalecimento da auto estima. Desenvolve e potencializa as habilidades artísticas e musicais do praticante.
A imersão às dimensões da capoeira tem como objetivo despertar o potencial intelectual e cultural residente no corpo do iniciado. As bases para esse desenvolvimento são os conceitos e práticas oriundas das manifestações afrodiaspóricas como a ginga, o espaço, o corpo e o outro.
Para o entendimento desses conceitos e práticas, é importante uma introdução sintetizada sobre o que é a capoeira, e outras expressões culturais afrodiaspóricas que expressam os hábitos e costumes do nosso dia a dia plural em casa, no trabalho, na rua e no meio social de que fazemos parte.
Apreendidos esses conceitos e práticas, temos em mãos, no corpo e na mente o conhecimento básico para promovermos uma transformação. O professor emérito da UFRJ Muniz Sodré diz que como ponto de partida para essa mudança é fundamental iniciarmos o processo de aproximação. A capoeira é um caminho para essa aproximação, como é o samba também. A aproximação com o outro, com o diferente no sentido de partilhar a experiência e a existência, singular de cada um constitui em exercício elementar. A diversidade implica na aproximação com o diferente.
E na capoeira, ainda que se possa parecer, mesmo com a padronização que também influi na prática, a diferença é a sua maior característica. A distinção do modo de ser de cada um é que faz da roda da capoeira por exemplo, a expressão potente da diversidade. A roda é uma extensão da rua, e a rua é onde mais se pratica os principios da diversidade.
No final das contas, do ponto de vista da sobrevivência dos trabalhadores e trabalhadoras frente as adversidades, somos todos capoeiras, quer na roda jogando, quer nas ruas gingando as passadas, uma peculiaridade que é brasileira. Axé.